Mãos limpas?

Os políticos brasileiros

Fernando Lanzer
7 min readJul 6, 2019

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Este texto foi publicado como o Capítulo 17 do livro que escrevi com Jussara Pereira de Souza, uma conversa profunda e informal sobre a cultura brasileira. Para Entender A Cultura Brasileira

F: Por que a política é do jeito que é no Brasil?

J: Qual é o jeito que ela é?

F: As pessoas se queixam dos políticos e de que todo mundo é corrupto. Mas isso tudo que se vê no Brasil, em todos os níveis, municipal, estadual, federal, tem tudo a ver com essas características da cultura. Começa que há grande Distância de Poder… então se atribui poder exagerado aos políticos… Se acha que eles é que vão fazer tudo. Ao invés de pensar que a economia depende de um grande pacto entre empresários, políticos e trabalhadores, por exemplo, não. Se acha o seguinte: a economia vai bem ou vai mal dependendo de quem é o Presidente da República. E na verdade não é o Presidente da República que faz tudo acontecer. “Ah, não, mas precisa ter uma política econômica… O governo vai determinar uma política econômica e daí as coisas vão funcionar.” Isso é um engano. A nossa cultura confere esse poder todo à política. Em outros países, os políticos são muitas vezes “testas de ferro.”

J: Assim, de empresas?

F: De empresários, ou de outros grupos sociais, de sindicatos, de investidores. Existem outras forças por trás dos políticos. No Brasil, há uma tendência de achar que o político faz o país ir bem ou mal. Na verdade, a situação é mais complexa, ela envolve outros jogadores nesse jogo e não só os políticos. Um dos problemas é que se atribui poder e importância demais aos políticos.

J: Existe também muita centralização. Se atribui muito poder aos políticos e o poder fica centralizado como um poder federal. A arrecadação vai toda para o Governo Federal, para então ele redistribuir. O dinheiro que se arrecadou vai todo para lá e aí isso é um volume muito grande, ele mexe com a cabeça das pessoas. E mexe com o poder de alguém que vai lidar com tamanho volume. Depois isso acontece também com o governo estadual, em relação aos municípios. Acontece a mesma coisa. Em diferentes níveis, há sempre uma centralização.

F: O que volta é muito pouco.

J: Isso não é saudável. E volta com distorções, com destino equivocado. Nem sempre focando no que deveria ser focado. E como é distribuída a renda, a arrecadação? Como são aplicados esses recursos?

F: Isso é típico de uma cultura com alta Distância de Poder. Existe excessiva centralização em função disso.

J: É curioso que a proposta inicial do PT era descentralizar, de trabalhar com as comunidades. Era uma coisa interessante, que trazia uma expectativa diferente.

F: Fazer o orçamento comunitário. Era uma forma de descentralização. Era um passo na direção certa, mas ao longo dos anos isso foi sendo abandonado e, porque a cultura é muito forte, passou a se valorizar mais a centralização. Em vez de descentralizar cada vez mais, se voltou a centralizar. E aí isso acabou estimulando de novo a corrupção.

J: Outro aspecto do que influi na política, claro, é o Coletivismo, é o relacionamento.

F: Essa combinação perversa de alta Distância de Poder, dando muito poder aos políticos, junto com o relacionamento, ou seja, o importante é de quem você é amigo, favorecem a corrupção. Você é amigo de quem? E as coisas se fazem por amizade, por relacionamento, e não por competência. É aquilo que se viu nas Olimpíadas: o que deu errado na organização? Muitas coisas deram certo, algumas deram erradas. As coisas que deram erradas, foram porque se deram concessões, por exemplo, para quem administrava as piscinas que ficaram verdes… para quem administrava a alimentação nos locais de eventos, em que a alimentação não funcionou…

J: E a segurança… o raio-x não funcionava…

F: Tudo isso foram concessões aliciadas, corruptas e feitas com base em relacionamento. Ao invés de procurar entregar essas coisas para um grande número de empresas e profissionais qualificados e…

J: Selecionar com base em competência…

F: Concorrências públicas julgadas por competência, por meritocracia ou alguma coisa assim… se deram as concessões para quem é amigo do fulano. O parente do dono da construtora foi o cara que ganhou as concessões da alimentação. E por aí vai. E aí as coisas não funcionam, porque não são distribuídas com base em competência, é com base no relacionamento. E os amigos ficam muito contentes, mas aí não fazem como devia ser feito. Toda a política está girando em torno desses relacionamentos e não em torno da competência. Um grande problema do PT foi a corrupção, o outro grande problema do PT foi a falta de competência. E por que essa falta de competência? Porque o relacionamento foi mais importante que a competência. Aliás, esse não é um problema só do PT. Isso é um problema de todos os partidos. Quando um partido sobe ao poder, ele então privilegia os seus correligionários, os seus amigos, as pessoas do seu relacionamento, em vez de buscar quem é melhor. E quando se faz um governo escolhendo pessoas mais competentes, aí se fala que é uma tecnocracia. “Ah, botaram um tecnocrata!” E é gozado, porque fica uma coisa pejorativa. O tecnocrata é visto como um sujeito frio, porque ele está baseando as suas ações na técnica, e não no relacionamento…

J: Sim.

F: O tecnocrata, em vez de ser visto de forma elogiosa, “que bom, o cara vai fazer aquilo que tecnicamente é o mais adequado,” fica uma coisa pejorativa, “o tecnocrata vai impor…”. Começa que é chamado de “tecnocrata.” Ou seja, ele impõe com base na técnica. E tudo o que é imposto com base na técnica é visto como ruim. Por quê? Porque não leva em conta as amizades, não leva em conta os relacionamentos. Isso cria um círculo vicioso.

J: No caso dos partidos políticos, o relacionamento tem mais ainda o fato de que um acoberta o outro. Vamos dizer assim: “a gente te ajuda, e aí, em troca, também você nos ajuda.” Fica uma coisa de ninguém se arriscar a atacar o outro, porque também corre o risco de ser atacado. Você jamais pode criticar um político aliado.

F: Uma mão lava a outra. E aí desemboca até nessa decisão curiosa do impeachment, em que o senado votou para afastar a Dilma, mas votou também para que ela não perdesse os direitos políticos. Uma forma de atenuar a pena e, de novo, uma coisa bem coletivista, de tentar manter a harmonia do grupo. “A gente remove ela do cargo, mas não vamos castigar demais;” então se encontra uma forma de atenuar a punição para que continue todo mundo bem e podendo se relacionar, de alguma forma, mesmo quando são oponentes. Mas é preciso preservar uma forma de continuar com o relacionamento. Depois foi repetido o mesmo procedimento ao julgar o afastamento de Renan Calheiros da Presidência do Senado: ele foi afastado da linha de sucessão presidencial, mas foi mantido na Presidência do Senado. O STF procurou atenuar a situação e evitar o conflito. O que isso tem de ruim é deixar o desempenho em segundo lugar, deixar a competência em segundo lugar.

J: E o que tem de bom é no sentido de deixar uma abertura para uma certa unidade suprapartidária. Em termos de governança do País. Porque é melhor que os partidos se falem. E é melhor que os partidos se entendam. Mas só que eles poderiam se entender e botar em primeiro lugar o desempenho.

F: Se evita confrontação, se evita o conflito. Embora isso ultimamente tenha ficado mais exacerbado, esse conflito de opiniões políticas. É curioso como tradicionalmente sempre se dizia que “o Brasil é um país em que se evita a revolução, se evita a confrontação. Existe tanta desigualdade, que já era para ter acontecido uma guerra civil, uma luta aberta de classes…” Mas o Brasil é um país de “bonzinhos”, não é? O povo brasileiro é muito bonzinho, porque acaba não sendo violento. E ultimamente as pessoas têm contestado isso, têm dito “não, mas isso é balela. O brasileiro, na verdade, é violento, sim, porque olha só a criminalidade. Olha só o choque nas ruas quando pessoas anti-PT e a favor do PT começaram a se confrontar.” Mas eu acho que, por comparação, a gente tem menos conflitos no Brasil do que em outros países, do que em outras culturas… Eu acho que ainda prevalece a turma do “deixa disso,” Como você já disse várias vezes.

J: Estão surgindo mais conflitos do que há… sei lá, vinte anos atrás, talvez, ou trinta anos atrás, mas ainda é menos do que em outros lugares. Tem havido confrontação, mas mesmo na época da ditadura militar, em que houve prisões e torturas, houve menos mortes e torturas do que, por exemplo, na Argentina ou no Chile, onde morreram milhares de pessoas. Enfim… lá foi pior.

F: Nós continuamos com essa coisa de tentar evitar o conflito. Minimizar. Mesmo quando ele existe, vem alguém logo com um pano quente e tenta diminuir, atenuar. Só que o que é ruim disso tudo, na política, é que termina tudo em pizza, como eles dizem. Se fazem os discursos, se acusam… e no fundo, no fundo, quando chega na hora de punir… Com todo o negócio do Sérgio Moro e da operação Lava-Jato, prenderam um monte de gente, a maioria deles foi preso e depois solto. E não teve até agora nenhum político condenado durante seu mandato. O Cunha é um que está sendo processado, e o Delcídio é outro processado, mas já estão agora falando que o Delcídio também vai recorrer ao Supremo Tribunal, porque já que atenuaram a pena da Dilma, ele quer que apliquem o mesmo princípio a ele. De que ele pode ter seu mandato cassado, mas não deve ter os seus direitos políticos cassados também. Ele poderia se candidatar de novo ao invés de perder os direitos políticos por oito anos. E até o Collor também já falou “bom, mas foram injustos comigo, porque no meu caso…”.

J: “Eu tive os direitos cassados por oito anos.”

F: Enfim… Existe essa prática e fica difícil a cultura aceitar que efetivamente se castiguem os culpados. Na política, e também nos crimes em geral. Por um lado, as pessoas ficam querendo “precisamos prender os bandidos” e tudo, mas tem uma grande parcela da população que defende os bandidos. Que diz “não, espera aí, mas tem que ver exatamente o que aconteceu… e eles são vítimas da sociedade…” Tem um lado da cultura que procura evitar o conflito, sempre. Nós podemos não gostar disso, mas a verdade é que acontece com frequência.

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Fernando Lanzer
Fernando Lanzer

Written by Fernando Lanzer

Consultant on Leadership Development, Managing Across Cultures, Leading Change. Author of “Take Off Your Glasses.”

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