É tentador criticar uma série que é elogiada por muitos, mas há que tentar fazer críticas com isenção.
Vi a “Coisa Mais Linda” como o retrato de uma época e uma denúncia dessa época.
Claro, ela mostra racismo e misoginia; não vi nisso uma apologia dessas coisas. Pelo contrário, percebi isso como denúncia. Até porque as protagonistas mulheres são mostradas lutando contra isso e o espectador é instado a se identificar com elas.
A cena de sexo de Lygia com o marido, filmada com seus seios em primeiro plano, não é nudez gratuita. Ela enfatiza que, para o marido, Lygia era objeto sexual, valorizada por sua beleza física. Ele diz isso claramente. E ela se cobre e vira para o lado, mostrando que não está feliz com isso. Esse era também o retrato da maioria dos relacionamentos entre os casais da época.
Aliás, infelizmente se vê com o bolsonarismo de 2019 que muitos brasileiros seguem vivendo os valores de 1959… E “Coisa Mais Linda” fala de coisas que, assustadoramente, seguem atuais para grande parte da população.
Não se deve confundir o cinema que mostra uma situação como retrato e denúncia, como se fosse retrato e apologia.
Quando Coppola filmou os helicópteros americanos bombardeando uma aldeia vietnamita, estava denunciando a brutalidade da guerra e a insensibilidade dos personagens americanos na cena. Um amigo meu ficou furioso, achando que o cineasta estava defendendo a postura americana no Vietnã… Esse amigo estava confundindo denúncia com apologia.
Para denunciar o racismo, é preciso mostrá-lo em toda sua crueza e crueldade. Isso não significa que se esteja fazendo apologia do dito.
O mesmo vale para a situação das mulheres.
Até o título encerra uma denúncia: “coisa mais linda” é uma expressão idiomática “inocente…” Mas se refere à mulher como “coisa” e valorizada pela beleza. E agora: isso é denúncia ou apologia?